Naquela tarde, com o sol já se pondo, sentei-me na varanda e
pus-me a observar a bela paisagem que havia ao meu redor. Nunca faltou um só
dia em que eu fizesse sempre esta mesma ação. Só saía da varanda para comer,
tomar banho e dormir. Não é que eu seja demasiadamente preguiçosa, mas já estou
velha e trabalhei muito nessa vida, então acho que mereço um descanso.
Era sexta-feira, dia do meu aniversário de 71 anos, e a
família veio comemorar a data aqui em casa; mas nem por isso deixei de seguir
minha rotina. Quando estava ouvindo o canto dos grilos minha netinha kamila,
que tinha 12 anos, se sentou junto à mim segurando uma velha xícara e me
perguntou a quanto tempo eu guardara aquela xícara meio quebrada, porque toda
vez que ela vinha visitar a xícara sempre estava lá no mesmo lugar. Eu tirei a
xícara das mãos dela e comecei a responder sua dúvida: - Você sabe quantos
filhos vovó tem?
Ela respondeu: - Sei. Tem mamãe, tia Vânia, tio Aroldo e tio
Mauro.
Eu continuei: - Isso mesmo Kamila! Mas vovó teve outra filhinha.
Rosa era o nome dela.
Quando disse o nome de Rosa minhas memórias começaram a
voltar e me fez revirar a cabeça com pensamentos distintos.
Kamila que não estava entendendo nada perguntou: - Vovó, a
senhora está bem?
Eu respondi: - Sim kamila, não foi nada.
Eu respondi: - Sim kamila, não foi nada.
Ela disse: - Então me conte mais sobre essa titia que eu
nunca vi vovó!
Foi nesse momento em que comecei a contar sobre Rosa e
recordar tudo o que dizia.
- Kamila, Rosa foi a minha primeira filha, ela nasceu
corada, com as madeixas pretas, olhos marcantes e era gordinha. Eu dizia a
todos que o segredo dela ser tão coradinha era porque desde cedo ela aprendeu a
comer legumes e hortaliças.
Rosa era uma menina obediente que nunca descumpriu uma ordem
minha. Eu a chamava de “minha boneca”. O tempo foi passando, e eu tive o
Aroldo. Rosa cresceu e se tornou uma menina estudiosa que sonhava em ser
professora. Eu só me orgulhava dela. Até que um dia apareceu na nossa
cidadezinha um rapaz chamado Francisco, que engatou numa amizade com a minha
boneca. Francisco era bom moço, educado e simpático. Rosa já tinha 19 anos
quando me veio com uma conversa de que estava namorando o rapaz. Eu sabia que
não conseguiria controlar os sentimentos de uma moça já criada, então assenti,
deixando os dois serem felizes. Eu só não sabia que essa felicidade seria longe
de mim.
Nós morávamos no Tocantins, e já fazia tempo que Francisco
comentava que ia voltar para sua terra natal, no Ceará. Quando então ele
resolveu partir, Rosa foi junto. Lá ela se casou e me escreveu uma carta
contando como tinha sido a cerimônia. O tempo se passou e eu só havia recebido três
cartas de Rosa em 2 anos. Batia a saudade dela todos os dias. Ela era uma filha
exemplar. Um dia, quando estava cozinhando, o carteiro chegou trazendo-me uma
carta dela que dizia sobre sua saudade do Tocantins e da família, e que ela
estava esperando um bebê. Para matar a saudade ela disse que iria ter o bebê no
Tocantins e viria de avião, sem Francisco, pois ele estava trabalhando no dia.
Mandou a data e a hora em que eu deveria esperar ela no aeroporto. Toda a
família ficou muito alegre com a notícia do bebê e eu já sonhava com ele, todo
bonitinho, parecido com a mãe. No dia previsto Rosa desembarcou, mas um
descuido do destino fez com que ela tivesse uma rara doença de momento e
morresse ali mesmo, com meu netinho, sentada naquela poltrona. Não tínhamos
telefone, e a família toda esperava ansiosa a chega de Rosa. Quando o avião
pousou, Rosa não saiu. Era meu fim. Perdi uma filhinha linda, que só tinha 21
anos, tão nova... Perdi meu primeiro netinho. E o que me sobrou deles? Apenas a
carta e uma xícara que eu peguei na poltrona onde Rosa estava, já meio quebrada
com a queda que recebeu e suas mãos ao morrer. Rosa usou essa xícara Kamila.
Não havia me sobrado nada que ela tinha tocado. Essa xícara certamente fez
parte da vida de Rosa em outro estado. Ela teria gostado muito de você Kamila.
Aliás, você me lembra muito ela, até nas madeixas pretas.
Kamila tomou a xícara e foi para dentro toda empolgada
perguntando sobre sua titia Rosa para a família. E eu continuei sentada na
minha varanda ouvindo o cantar dos grilos que pareciam dizer: “minha boneca”.
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